domingo, 27 de março de 2016

Carta aberta a Eros Grau, o homem que ignora a ira dos justos

eros Senhor Eros Grau, Desejando, pode processar-me por esta carta aberta. Tenho certeza que, jurista e ex-ministro do Supremo que é, o processo será justo e equilibrado e eu, um pé-de-chinelo, terei tando respeito do Judiciário quanto sua ex-Excelência, não é verdade? Animo-me a escrever porque, como foi certa era pregressa o senhor também  fui  alguém que foi tão inconformado com a ordem vigente que se filiou ao Partido Comunista Brasileiro. Desta origem comum,  perguntaria se já se lhe vão longe suas ideias de que, independente do Governo, há um poder de classe no aparato estatal - no Judiciário, inclusive - que aplica ou não aplica as regras de que "todos são iguais perante a lei"segundo o lugar que alguém nela ocupa. Nem mesmo diante da Constituição somos iguais, ex-Excelência. Vá ver numa vila do Nordeste ou numa favela do Rio se "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- -se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade". Percorra os 78 itens do artigo 5º da Carta e veja se eles são, de fato, garantidos a todos os brasileiros. Admita-se que, com a idade, lhe tenha fugido Marx:

Admira-se a justiça capitalista! Quando um proprietário de terras [... é] expropriado [...] não se contenta apenas em receber uma indenização integral [...] é preciso que ele seja consolado [...] com um lucro substancial. O trabalhador, quanto a ele, é jogado na rua com mulher, trastes e filhos” (O Capital, I, XXIX.).

Ou aquele outro "rapaz", chamado de Hegel pelas sumidades do MP de São Paulo:

“Para o burguês, a lei é sagrada, aí está sua obra, votada com seu acordo para sua proteção e vantagem [...] A lei é para [o operário] uma chibata feita pelo burguês à sua intenção”. (Engels, Situação da Calsse Trabalhadora na Inglaterra).

Mas que, ao menos, lhe tenha ficado Rousseau:

As leis criaram novos empecilhos aos pobres e deram novas forças aos ricos [...] Elas fizeram de uma hábil usurpação, um direito irrevogável. E, para o proveito de alguns ambiciosos, subjugaram, a partir de então, todo o gênero humano à servidão e à miséria (Discurso sobre a origem da desigualdade)

Ainda assim, não há um de nós, na esquerda, que pregue a sua ruptura, porque boas regras, mesmo declaratórias apenas, são melhores que as más e, mais ainda, do que regra alguma. Convenhamos, para julgar segundo a letra estrita da lei, bastariam rábulas, com barbaças ou não a lhe emprestarem erudição. Portanto, quando o senhor diz que ""quem não é criminoso enfrenta com dignidade o devido processo legal, exercendo o direito de provar não ter sido agente de comportamento delituoso", não só está se desgrudando da realidade como, na prática, obrigando-me a desafiar, com meu único semestre de Direito cursado na UERJ, antepor-me à sua vasta sabedoria jurídica. Refiro-me à presunção da inocência, princípio universal. Ninguém tem que provar " não ter sido agente de comportamento delituoso". É o contrário. É o acusador, seja mesmo um acusador político, como o é no impeachment, que tem de provar que o foi. Mesmo neste processo, iniciado por Eduardo Cunha, homem que não lhe merece uma palavra sopesando sua suspeição, precisa existir a formação de culpa. Não é "eu quero cassar a presidenta e isso tem maioria aqui". Do contrário, estaríamos no parlamentarismo, onde basta a perda da maioria para a derrocada de um governo - aliás também instituído no parlamento, donde a legitimidade para que o parlamento o destitua sem amarras. O senhor, porém, ultrapassa este absurdo. Diz que "a conduta tendente a impedir o estrito e rigoroso cumprimento do que dispõe a Constituição do Brasil consubstancia desabrida confissão de prática de crime de responsabilidade pela Presidente da República". "Cai como uma luva, no caso, a afirmação de que quem não deve não teme. Apenas o delinquente esbraveja, grita, buscando encontrar apoio para evitar que a Constituição seja rigorosamente observada, escusando-se a submeter-se a julgamento perante o Senado Federal". Desafio-o publicamente a nominar esta conduta. Em que se tendeu a " impedir o estrito e rigoroso cumprimento do que dispõe a Constituição do Brasil"? Diga-o, caso contrário será uma velhacaria, expediente de quem afirma generalidades por ser incapaz de apontar objetividades. Do restante, "quem não deve não teme" é expressão que vai à conta do humor no Brasil. Quem deve é que não teme, mostraram a Operação Zelotes e centenas de autuações a gente poderosa, daquelas que têm os nomes na lista do HSBC - ouviu o senhor falar dela? - que devem, devem muito e não temem nada. Vá para a subida de um morro, o pé de uma favela para ver como funciona o "quem não deve não teme" por lá.  Se o pedreiro Amarildo estivesse neste mundo poderia contar-lhe. Eu sou um homem honesto, ex-Excelência, e se for vítima de uma injustiça, vou esbravejar e gritar e só a tapa e arma me porão numa condução coercitiva ilegítima, sem que eu antes tenha sido convidado a dar explicações. O senhor sabe, como ex-preso político, a inferioridade de forças de um homem ou de uma mulher honrados, submetidos a violências "em nome da lei", que  só lhe deixam a insubmissão como forma de afirmar sua dignidade. Mas não creia o senhor que minha insolência seja dirigida ao antigo ocupante de cargo de ministro do Supremo por estes que o senhor supõe hoje criminosos. Não, vai ao mais atual, anunciado de boca própria ao portal UOL. Àquele que se disse, espontaneamente, ao jornalista Fernando Rodrigues, "um soldado" de Aécio Neves. E que, o tendo dito, não de peja de dar, como ex-ministro e jurista, opiniões que satisfaçam ao seu general. Não o ofendo, senhor. São seus atos e palavras que ofendem o que o senhor foi, a serviço daquilo que o senhor se tornou.        

4 comentários:

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